'E quis te dizer de como era bom que agente tivesse se encontrado,
assim, sem pedir, sem esperar.'
C.F.A.
Ahhhh !
Você foi embora e levou tanta coisa minha que ainda estou escrevendo a lista do que ficou. Levou a minha enorme coragem de dormir sozinha e junto a minha confiança inabalável nas pessoas. Carregou pelas mãos os meus versos, frágeis, escrito às pressas no trabalho, na boca engoliu o chocolate que fiquei procurando para agradar um detalhe. Sugou nos braços os meu abraços apertados e carentes, no celular as mensagens poéticas.
E eu, fiquei com aquela solidão interna, onde a necessidade de ficar sozinho é maior do que querer amigos, ou um livro. Meu coração doía fisicamente, que me chegou a faltar ar e jurei que teria um infarto. Logo eu que sou tão nova.
Levou de mim a minha independência e agora não sei direito como ir até a rodoviária de ônibus, ou ir ao médico. Meu brinco, meu desenho, meus versos, meus amores, meus traumas, levo
u tudo e eu, fiquei. Fiquei pequena, desprotegida, confusa e triste, porque de todas as coisas que você me tirou que ao menos tirasse todo esse amor por completo, não me deixasse com ele, sem saber o que fazer, tentando encaixar em alguma gaveta, colocando na carteira, empurrando para o armário. O que eu faço com todo esse amor? Que ainda continua sendo apenas seu?
Decepcionada, porque eu me doei muito para você e agora estou tentando reconstruir tudo novamente, desde dormir sozinha até carregar a mala na rodoviária. Dói um bocado, as mãos, os braços, o coração, as lembranças. A única coisa que você me deixou foi o vinho e olha o que fiz com ele, tomei com meus amigos e fingi estar bem.
Bem mais do que ser enganada, ou carregar a mala, dói o fato de que agora tudo soa falso em você. Desde o seu sorriso aberto, até as suas palavras doces e seus gestos teatra
is, acho realmente triste ficar com essa impressão sua, de que tudo era falso. E se era mentira, o que eu faço com esse amor? Digo para ele que teoricamente nascido de uma mentira ele não existe e se ele não existe eu não o sinto, mas machuca infinitamente mais do que se fosse real.

Camila Meneghetti




Se você olhar pro céu agora verá o mesmo céu da noite que nos conhecemos.

Tinha estrelas, tinha aquela lua que brilhava no reflexo da minha menina dos olhos. E tinha você, ali, parado na minha frente me olhando como se eu fosse inalcansável. Na verdade eu poderia ser, eu queria ser, mas não pra você, mas não com a gente.

Hoje, anos depois, debaixo do meu cobertor, sonho com você, queria você aqui, sentindo meu cabelo, acalmando meu corpo no seu. Como quando agente fecha os olhos e sente o cheiro, o gosto das memórias.


'Em uma das nossa últimas conversas você comentou que éramos um tipo de amor, mas qual? Nunca soubemos.'

Eu faço tudo justamente pra não sentir nada.



É fácil lidar com o nada.
Quando você tem nada, não tem o que perder.

Que saudade do meu Entre Rios...

do friozinho, do fogão de lenha, do meu bar preferido, das minhas amigas, dos filmes e brigadeiros debaixo de cobertor, do chocolate quente depois do banho, antes de dormir. Dos livros, lá eu sempre li mais do que em todos os outros lugares que eu morei. Da Cauã, das tardes no clube, dos bailes de debutantes. Da paisagem, do pôr do sol e das montanhas.


Ahhh... !


...daquele amor que a muito não se vê...

carta.


Querido Tom,

Releio hoje sua carta, falando sobre caminhos e amores impossíveis.
Receio que esteja errado, já que não mudaria um segundo sequer da nossa caminhada juntos.
Acho pobre um amor que pode ser resumido em palavras, então peço que se lembre; se lembre das ruelas escondidas, aquelas que guardaram na arquitetura o começo da nossa história; havia música, havia leitura, havia dança. Uma simples melodia se fazia motivo para um rodopio leve e
um aconchego delicado no seu ombro, bailando de rosto colado. Quanto ao desejo, daquele beijo com pressa, do contato do corpo e principalmente dos olhos, surgiam sentimentos i-na-cre-di-tá-vel-men-te belos ! Que amor é amor se não for extremamente tolo ? Nesse patamar estão as cartas de amor, os CD's e as tão esperadas mensagens no celular antes de dormir.

Amor, penso que me esqueceste. Não entendo porque se foi, se é quando se vai que se esquece, e que se permite esquecer.

Termino a carta com um até logo que demora feito adeus.

Com amor, Kim.




- Eu não posso, não aguento mais conviver com sua ausência.
- Você sabia, você teve escolha.
- Eu nunca tive escolha.





"Sobre cada dia ela se equilibrava nas pontas dos pés,
sobre cada frágil dia que de um instante para o outro
poderia se partir e cair em escuridão.
Mas ela milagrosamente o atravessava e exausta de alegria e cansaço
chegava a dormir para o dia seguinte surpreendida recomeçar."

Clarice Lispector

Levadeira de moinho


“O vento leva”

Um castelo de cartas, uma casinha de dados, uma ilha de dominós – derruba. Nomes na areia, o sopro n´água, pegadas no chão – arrasta. Sonhos, agrados, doces desejos – leva. O vento leva para longe. Leva, e às vezes nos contempla com sua volta. A volta por vezes desejada, a volta às vezes não querida – destrói. Reduz a pedaços àquilo que se levou tempo para erguer, não se importa com o sofrer – porque, no final, o abraço mais provável é aquele que termina com as nossas mãos postas sob as costas.

Ele emaranha a blusa feita num fiar cauteloso, faz manchar a manga da camisa. Leva a paz e deixa o grito – e, se mais forte, chamamos de redemoinho. Redemói aquele olhar, aquelas palavras, aquele amor. Por ora, faz do silêncio o melhor remédio.

O vento é nosso amigo, em vezes… leva para junto de quem se quer, aproxima a lembrança distante, faz novear a bobice velha. Mas o moinho não; nunca. Ele se disfarça de brisa, arranca um sorriso das mentes taciturnas, faz atenuar a filáucia para dar lugar a novas novices. A gente se desarma, pensa que o vento mudou de direção, que o melhor veio – mas, sem dar de ombros, o redemoinho vem e vai, não deixa nada que se valha. E a gente, ingênua gente, coloca a culpa no vento; é, é muito mais fácil achar que as coisas acontecem de acordo com a sua direção, e que somos isentos de qualquer responsabilidade sobre.

A culpa é do moinho, minha gente, do redê – que, na vela do levar, rói, remói, redemói, e não deixa vestígio de pavio pra gente poder acender àquilo que o vento apagou.

Eu quis querer o que o tempo não leva, para que o vento só levasse o que eu não quero. Eu quis amar o que o tempo não muda, para que, quem eu amo, não mudasse nunca. (a.d.)