Direitos Humanos e Cidadania como Desafio Ético e Intersetorial.


Texto elaborado para I Conferência Municipal de Saúde Mental de Divinópolis.
Profª Drª Nadja Cristiane Lappann Botti

Bom dia.
Gostaria de agradecer a presença de todos os participantes neste encontro, verdadeiros protagonistas do processo da reforma psiquiátrica. Agradeço ao convite para integrar a mesa na Iª Conferência Municipal de Saúde Mental de Divinópolis. Felicito os companheiros da mesa e os organizadores do evento a oportunidade de conversarmos sobre o que militamos comprometidamente. Proponho o diálogo compartilhando com todos idéias que só têm sentido se forem ouvidas e produzirem conversas para pensarmos a intersetorialidade na saúde mental. Saúde Mental como campo de saber e prática de interesse público e como processo e expressão dos determinantes psicossociais, sócio-dinâmicos e institucionais. Especificamente o diálogo sobre “direitos humanos e cidadania como desafio ético e intersetorial” que traz no seu elenco a propositura de discussão de várias questões, tais como geração de trabalho e renda, educação
inclusiva, inclusão social e cultural, entre outros. Não poderíamos pensar estas questões como o exercício de uma clínica antimanicomial? Clínica de ruptura e mudança de paradigma com possibilidade de vida em comunidade e de atendimento a crise no território? Por isto, não é simplesmente a reorganização dos serviços e da assistência também não é o rearranjo do poder secular do paradigma manicomial. Meu diálogo sobre a intersetorialidade e a saúde mental é construído na adaptação do conto Sorôco, sua mãe, sua filha. Conto de Guimarães Rosa que fala sobre um trem com um vagão especial que levaria a mãe e a filha de Sorôco para Barbacena. Nele, Sorôco veste sua melhor roupa para levá-las à estação e a multidão os acompanha. Inesperadamente, mãe e filha partem cantando música que ninguém compreende. Sorôco não se
despede delas e nem tem coragem de olhar a partida do trem. Imaginado esta cena, porém há 100 anos e em Divinópolis. Nesse tempo, o significado do sofrimento mental e o sentido do tratamento eram definidos pelo paradigma manicomial que enunciava a exclusão, tutela e segregação. Assim, Sorôco levaria sua filha e mãe a Estação Ferroviária, em Divinópolis, para colocá-las no trem de doido com destino a Barbacena. Nesse tempo não havia intersetorialidade, pois se preconizava a diferença como negatividade. Portanto, não havia vida e não existia ética, não havia cidadão e não existia cidadania / direitos humanos, não havia sujeito e não existiam desejos.
Imaginemos, agora, Sorôco, sua mãe e sua filha em Divinópolis 2010. É neste cenário que se pergunta sobre a intersetorialidade. Felizmente, Sorôco não teria que separar-se de sua família. Neste caso, não precisariam mudar de cidade, pois receberiam cuidados no SERSAM, na UBS ou PSF. O trem que viajariam teria como destino outras estações, tais como Tiradentes à São João Del Rei, Ouro Preto à Mariana, ou até mais longe, tal como Belo Horizonte à Vitória. Construímos a intersetorialidade quando entendemos que a diferença são os sonhos de vida, os desejos de liberdade e as idéias que quando aliadas a práticas transformam mundos. A mãe de Sorôco e a filha são sujeitos com sofrimento mental. A mãe apresenta grave depressão e a sua filha tem psicose. Para rompermos, efetivamente com o paradigma manicomial e respondermos com o cuidado que contempla ações intersetoriais é preciso atentar não somente à doença, isto é, a depressão ou a psicose como categoria médica, mas a tudo que possa interessar na vida desta família. Como nos lembra Terencio2 “Eu sou um homem, um ser humano e sendo humano, tudo que é humano me interessa”. Se considerarmos que tudo o que diz respeito ao humano nos interessa construiremos a intersetorialidade para sujeitos cidadãos, de direitos e de desejos. Neste sentido, a intersetorialidade se apresentaria como estratégia aos problemas, necessidades, demandas, desejos dos portadores de sofrimento mental, dos seus familiares, dos profissionais e do grupo social ampliado. A saúde tem provocado o debate em torno da ação intersetorial devido à definição de saúde no SUS e pelo reconhecimento que o processo saúde-doença é socialmente determinado e precisa de respostas também determinadas socialmente. Portanto, a possibilidade da intersetorialidade se reduz ao trabalharmos com a "doença mental" ao invés da "saúde mental".
É a intersetorialidade cuja potencia confere aos profissionais da saúde novas possibilidades de prestar assistência integral e resolutiva. Sabemos que a complexidade dos problemas de saúde aponta para a necessidade de reversão do modelo de atenção excludente, cronificador, verticalizado, de baixo acesso, de pouca resolutividade, que levam os usuários e profissionais ao isolamento e a alienação do sistema social. Nesse sentido, a reformulação desse modelo exige compromissos intersetoriais. E o que precisamos saber sobrsobre Sorôco, sua mãe e sua filha? Eram moradores de rua de Belo Horizonte e vieram para Divinópolis, literalmente sem lenço e sem documento, há 10 anos na tentativa de trabalho durante a Festa da Cerveja? Trabalhavam catando latinhas para vender o alumínio e resolveram ficar na cidade? Assim, se tudo que é humano nos interessa, temos que preocupar com a falta de lugar para morar, a falta de documentos e as dificuldades que enfrentam os que não sabem ler ou escrever. Nesse sentido, perguntamos que políticas existem em Divinópolis para responder a estas questões. Podemos pensar que durante dias ficaram no Centro do Migrante, programa de assistência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que acolhe pessoas em situação de risco provenientes de outras regiões. Proporcionado abrigo temporário, alimentação, higiene e condição de retorno às cidades de origem. Temos que reconhecer que as principais dificuldades para a implementação de ações intersetoriais ocorrem quando os representantes setoriais apresentam na negociação agenda limitada a área. Neste ponto precisamos avançar, pois as redes municipais intersetoriais devem sugerir idéias de conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços visando garantir a integralidade aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco. Nesse sentido, perguntamos que políticas existem em Divinópolis para responder a estas questões. Podemos pensar que durante dias ficaram no Centro do Migrante, programa de assistência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que acolhe pessoas em situação de risco provenientes de outras regiões. Proporcionado abrigo temporário, alimentação, higiene e condição de retorno às
cidades de origem.
Temos que reconhecer que as principais dificuldades para a implementação de ações intersetoriais ocorrem quando os representantes setoriais apresentam na negociação agenda limitada a área. Neste ponto precisamos avançar, pois as redes municipais intersetoriais devem sugerir idéias de conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços visando garantir a integralidade aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco. Nesse sentido, perguntamos que políticas existem em
Divinópolis para responder a estas questões. Podemos pensar que durante dias ficaram no Centro do Migrante, programa de assistência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que acolhe pessoas em situação de risco provenientes de outras regiões. Proporcionado abrigo temporário, alimentação, higiene e condição de retorno às cidades de origem. Temos que reconhecer que as principais dificuldades para a implementação de ações intersetoriais ocorrem quando os representantes setoriais apresentam na negociação agenda limitada a área. Neste
ponto precisamos avançar, pois as redes municipais intersetoriais devem sugerir idéias de conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços visando garantir a integralidade aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco.
Todo cidadão tem o direito de ter documentos que comprovem sua cidadania tais como carteira de Identidade, CPF, título de eleitor e carteira de trabalho. Quais ações intersetoriais poderiam responder a essa demanda de Sorôco e sua família? Quais ações garantam os direitos civis e sociais aos portadores de sofrimento mental e a seus familiares? Mas também podemos pensar Sorôco e sua família como sendo divinopolitanos e morando a 25 anos no bairro Belvedere. E vizinhos da:

• D. Maria que faz controle da pressão no PSF e sempre pede a mãe de Sorôco para acompanhá-la para buscar receita de Diazepan, o qual faz uso há mais de 20 anos e já nem se lembra mais por que;
• Sra Imaculada, que há 2 dias perdeu o filho morto a tiros, por engano. Ele era amigo da filha de
Sorôco, e que, com a tristeza e inconformidade da morte do amigo, apresenta nova crise;
• D. Josefina que preocupada com seu diabetes sempre procura a mãe de Sorôco para contar o
desalento de ter sido abandonada ainda jovem, mas que ainda espera viver o grande amor e quer se casar na igreja com véu e grinalda;
• Sr José, companheiro de Sorôco, que desde os 22 anos não consegue dormir direito devido a falta de ar. Também é importante pensarmos a intersetorialidade como articulação entre a rede de atenção em saúde. Esta articulação é definida pelas boas práticas dos profissionais; pela organização dos serviços e pelas políticas específicas de saúde. Esta articulação entre a rede implica recusa ao reducionismo e à objetivação dos sujeitos visando à abertura do diálogo, a escuta e o acolhimento no encontro diário. Estas práticas podem ser no centro comunitário do PSF, no grupo da UBS, na oficina do SERSAM ou em outros locais da rede. Implica, também, em
escutarmos o que os usuários da saúde nos dizem cotidianamente, que corpo, mente e alma não existem separados, que não tem como tratar das partes sem considerar o todo. Por isso, para a construção da intersetorialidade é essencial o desenvolvimento de vínculos que se desenvolvem em diferentes níveis de complexidade, sendo o primeiro nível o reconhecimento do outro como par, como interlocutor, com direito de existir e emitir opiniões e desejos. O segundo é o conhecimento de quem é o outro e como este vê o mundo. O terceiro é o da colaboração onde se criam vínculos de reciprocidade e colaboração. Finalmente a cooperação onde haverá a união de esforços e a utilização conjunta de recursos.



E a mãe de Sorôco? Senhora de 70 anos, mãe de nove filhos, mas estando vivo somente Sorôco. Após possível “derrame”, diagnosticou-se “tendência à hipertensão” e faz acompanhamento na UBS do seu bairro onde recebe os medicamentos. Sempre fica confusa quando troca a cor da medicação, pois não sabe ler e escrever e identifica os medicamentos pela cor. Trata também no SERSAM de “depressão nervosa” juntamente com a neta que tem transtorno mental. Apesar de ser católica praticante, às vezes freqüenta o Centro Espírita procurando a cura. É conhecida no bairro como cozinheira de “mão cheia” quando não está em crise. Porque não se garante a alfabetização para mãe de Sorôco? Além disso, porque não promover o cooperativismo, que pode gerar trabalho e renda? Por exemplo, investir numa barraca na feira de sábado no Esplanada para vender feijão tropeiro da mãe de Sorôco? E ainda porque a mãe de Sorôco na participa do forró no Centro Municipal de Convivência do Idoso? E a filha de Sorôco? Criada pelo pai e avó desde que a mãe faleceu quando esta tinha 3 anos. Estuda na escola estadual do bairro e faz tratamento no SERSAM porque às vezes “escuta vozes e cisma que todo mundo lhe quer fazer mal”. Adora cantar no coral do SERSÃ e tem vontade de aprender a “mexer no computador” e a tocar violão. Sonha em conhecer a praia e entrar “na água salgada”. Porque não se investe em programas de inclusão digital, em projetos de Lazer e turismo para os portadores de sofrimento mental e seus familiares? Ou ainda porque a filha de Sorôco na participa da Escola de Música de Divinópolis vinculada a Secretaria Municipal de Cultura? TTambém é importante pensarmos a intersetorialidade além da rede de atenção e saúde, articulando com outros setores e com ações capilarizadas na sociedade que possibilitem geração de trabalho e renda, cultura, lazer, educação inclusiva etc. Importante reconhecermos que as ações intersetoriais inventadas, tanto na articulação entre a rede de atenção em saúde quanto na articulação com outros setores, são construídas nas redes de apoio que se inter-relacionam no contexto familiar e na comunidade. Estas redes de apoio devem ser entendidas como recursos emocionais, materiais e informações estabelecidas no processo recíproco que circula por meio de vínculos, garantindo sua dinamicidade. Além disso, trabalhar intersetorialmente significa trabalhar coletivamente. É o processo de construção compartilhada em que os atores e setores envolvidos são tocados por saberes, linguagens e modos de fazer que não lhes sejam usuais. Por isto, no ritmo, muitas vezes, mais lento, mas em maior diversidade e com a maior chance de bons resultados. Os espaços da intersetorialidade são lugares de compartilhamento de saber e de poder, de construção de novas formas de agir que não se encontram estabelecidas ou suficientemente experimentadas. Por isso, ao surgir a demanda relacionada a tema de difícil solução, é fundamental não refugiarmos em nossas identidades profissionais para que não impere a lógica do “não é comigo”, apresentando nova forma de trabalhar em saúde. Sabemos que a reforma psiquiátrica não se faz seguindo modelo único ou acabado, sendo igual a construção da intersetorialidade na saúde. De natureza múltipla, precisa germinar em contextos e possibilidades distintas e envolver diversos atores. Sua diversidade, no entanto, se constrói, tendo por balizadores éticos, a defesa do direito à
liberdade e à cidadania para todos. A prática e a teoria podem sempre ser reinventadas e o desafio ético e intersetorial surgem como possibilidade neste cenário, a partir de invenções que favoreçam o pleno exercício da cidadania, dos direitos humanos e o aumento da contratualidade, como trocas materiais e simbólicas em casa, no trabalho e na rede social, resgatando a capacidade relacional dos sujeitos.

Para finalizar gostaria de colocar que para trabalharmos a intersorialidade na saúde mental precisaremos:
• Travar lutas cotidianas na defesa do direito à vida em liberdade do cidadão brasileiro divinopolitano e portador de sofrimento mental;
• Acreditar no cuidado sem grades ou muros;
• Exorcizar as velhas assombrações de periculosidade e de incapacidade do portador de sofrimento mental;
• Acreditar na potência e na fertilidade dos serviços substitutivos de saúde mental e na sua articulação com a atenção básica;
• Perguntar pelos sonhos dos sujeitos e suas necessidades, pelos laços sociais estabelecidos ou
fragilizados no trabalho, família, estudos, comunidades;
• Conhecer outros espaços além dos formais da saúde, tais como cultura, educação, trabalho, esporte e lazer;
• Saber sobre suas histórias de vida e as marcas de restrição nas possibilidades de inserção social.

Eis o nosso desafio!
Obrigada.



0 comentários:

Postar um comentário